quarta-feira, 23 de abril de 2008


Nada faz sentido. Estou num lugar e, de repente, encontro-me em outro completamente diferente. Os rostos não são os mesmos. Por vezes aparecem distorcidos, e repentinamente sofrem mutações tão significativas, que se tornam outras pessoas. Amigos, conhecidos, desconhecidos... Estão todos lá, habitando esse mundo... Fazem parte do que sou e me pertencem. São eu mesma verdadeiramente, e me assustam, me agradam, me felicitam, me entristecem. Porque me mostram cantos que jamais ousei visitar, os mais sombrios de minha mente, às vezes os mais hilários e ridículos. Mostram meus verdadeiros desejos e temores, tudo que desprezo junto a tudo que almejo. Quase sem disfarce algum, quase sem nenhuma espécie de recriminação. Apenas habitam, e me perturbam, e sussurram ao meu ouvido, com silenciosos shows internos de horrores e aventuras. Sutilmente habitam, vêm à noite revelar anseios tão cuidadosamente guardados ou aparentemente esquecidos. Vêm revelar o mais podre e sujo, o mais belo e meigo, o mais estranho e confuso, o mais certo e evidente... Em meio a esse paradoxo, acabo sempre me encontrando, mesmo que por meio de desencontros e antíteses. Acabo sempre me redescobrindo na própria confusão que formei. A esquisita personalidade que não conheço, no mundo dos sonhos, vem à tona jorrar em minha face parte do que sou e do que nunca serei. Sonhos que reafirmam a certeza de que, por completo, jamais me conhecerei.


Quadro de Salvador Dali "Sonho Causado Pelo Vôo de uma Abelha ao Redor de Uma Romã um Segundo Antes de Acordar"

sábado, 19 de abril de 2008

"Todo coração é uma célula revolucionária"


Edukators, de título original “Die fetten Jahre sind vorbei” (“Os dias de fartura acabaram”, em alemão) é um filme incrível, que incita a discussões sobre capitalismo e revolução. Longe de ser uma produção clichê, o emaranhado de acontecimentos e as conversas ao longo do filme passam a envolver o espectador de maneira instigadora, levando este a refletir sobre as mais diversas questões.
O enredo gira em torno de três jovens. Jan e Peter fazem protestos pacíficos, invadindo mansões e desorganizando todos os objetos da casa. Deixam, por fim, uma frase: “Seus dias de fartura acabaram. Assinado: Os Edukadores” (entre outras frases). Jule é namorada de Peter. Passa por problemas financeiros por ter batido numa Mercedes. Quando Jule e Jan invadem a mansão do milionário Hardenberg, dono da Mercedes, nem tudo sai como o esperado. Jule esquece o celular e, voltando lá com Jan, são flagrados pelo dono da casa. A solução: seqüestrar o milionário e decidir o que fazer.
Por todo o filme, são levantadas discussões sobre a dificuldade de revolução nos dias atuais. Nos anos setenta, ter cabelo comprido, calça boca de sino e boina já era ser contra ao sistema. Mas e hoje? Como fazer revolução na sociedade capitalista vigente? Os jovens ainda têm ideais de mudança social?
Como bem diz Jan: quando as pessoas têm tempo para pensar em revolução assistindo a 4 horas diárias de televisão? Sofremos um verdadeiro bombardeio de propagandas e modelos comportamentais e ideológicos, que nos apresentam a felicidade como algo a ser comprado e consumido. A solidão e o individualismo que isso acarreta começarão a sufocar alguns mais sensíveis. “Os antidepressivos não vão mais funcionar”, dizia Jan para Hardenberg. Irão as pessoas buscar outras formas de se viver?
Dizia Jule: acham que já está tudo feito e não há mais nada a fazer. Ou então, aceitam o pensamento dominador de que é impossível mudar o mundo: as coisas estão aí e devemos simplesmente nos adaptar ao sistema. Essa é uma das grandes questões: como não se enquadrar no sistema? Uma parte interessante do filme é quando Hardenberg, que havia sido revolucionário na juventude, comenta a mudança que gradativamente sofreu: começou comprando um carro no qual se sentisse mais seguro; depois se casou, teve filhos, precisou sustentar a família, a educação é cara... De repente, se surpreende quando, numa eleição, seu voto é conservador. É possível fugir totalmente desse sistema? E nessa malha de acontecimentos, é possível não perder seus princípios?
Depois da descrença numa real mudança, a acomodação talvez seja um dos grandes empecilhos à guinada de uma revolução. Permanecer na inércia de não fazer nada, assimilando valores não condizentes aos seus, é quase como perder sua consciência sobre o que ocorre, simplesmente aceitando a opinião de terceiros como a verdade.
“Todo coração é um célula revolucionária”, escreveram Jan e Jule na parede do apartamento que ela havia alugado. Todos nós somos aptos a promover mudanças. Por que, então, não aspiramos a isso? Ou melhor, aspiramos, entretanto, porque não nos empenhamos em novas atitudes? Será que não temos nada a fazer, ou não temos motivos para fazer, ou simplesmente nunca pensamos sobre o assunto?
Essas são algumas das questões que sempre me vêm à mente quando vejo “Edukators”. Mas um texto meu jamais provocaria a sensação que o filme causa. De que algo está se perdendo, foi lentamente esquecido, mas que ainda permanece no coração de alguns insatisfeitos com o sistema.
Antes eu pensava que, na minha condição atual, não teria capacidade nem meios para realizar algo como os jovens de “Edukators”. Isso, entretanto, é o pensamento de um acomodado. Sempre há o que fazer, o importante é não permanecer indiferente a essas questões. É possível se fazer revolução nos dias de hoje? Existe algo a ser feito? Deixo essas perguntas aos leitores. Espero que me ajudem a responder. E, se possível, assistam a esse filme incrível!!

sábado, 12 de abril de 2008

Mistérios

Dois velhinhos estavam casados há mais ou menos quarenta anos. Tinham uma tradição desde que eram novos: no dia dos namorados, ela fazia um bolo de fubá para o seu marido. Entretanto, num certo ano, depois de tantos de casados, ela esqueceu-se, e só no dia seguinte lembrou que não havia preparado o bolo. Com preocupação, falou ao seu marido:

--Esqueci-me de preparar o bolo ontem! Irei fazer agora!

Com certa surpresa, ela ouviu a resposta do esposo:

--Não, não precisa!

--Mas você gosta tanto! – ela exclamou

--Na verdade eu não gosto muito, eu comia porque você gostava de fazê-lo e eu não queria desagradá-la!

Quem me contou essa história foi um professor de português que tive, quando fazia a 8ª série, e nunca esqueci. Só depois de tanto tempo, a mulher teve conhecimento do verdadeiro gosto da pessoa com quem vivia há tantos anos. E nós, que temos amigos, por exemplo, de apenas quatro anos, já achamos conhecer tudo dele!

Ingenuamente, achamos que, após alguns anos de convivência com alguém, já conhecemos tudo da personalidade daquela pessoa. Até nos sentimos no direito de prever suas atitudes frente à determinada situação. O relato do meu professor me fez pensar que, talvez, não seja bem assim. Mesmo depois de anos num relacionamento com alguém, talvez jamais conheçamos totalmente essa pessoa. Porque, verdadeiramente, somos todos um grande mistério. E este que incita às grandes paixões.

Ver no outro um eterno mistério é estar eternamente enamorado. A cada dia, a pessoa amada pode apresentar-se como algo novo. E você, que pensava conhecê-la tão bem, descobre que ela possui muito mais a ser desvendado. Essa sensação é tão estranhamente fascinante! Porque é maravilhosa a concepção de “metamorfose ambulante”. Todos nós somos (ou no mínimo, estamos sempre propícios a ser). A toda hora estamos em constante mudança. Um curto momento pode mudar toda nossa concepção sobre a vida e, de repente, nos descobrirmos totalmente diferentes do que antes éramos. Somos também um grande mistério para quem nos ama!

Talvez seja essa uma das mágicas dos relacionamentos humanos. Crescendo juntos, vivendo juntos, sempre descobriremos algo novo sobre o outro e sobre nós mesmos. Apesar da certeza ser algo aparentemente confortável, nada nos é certo nessa vida, a não ser a morte. E talvez seja justamente a dúvida sobre todas as coisas o que mais nos encanta no ato de viver. A toda hora, esse encanto se faz presente até mesmo nas pessoas mais próxima, aquelas que achamos conhecer tão bem. Num momento repentino, essas mesmas pessoas podem se revelar como algo totalmente inusitado, despertando novamente a curiosidade em entender aquele antigo mistério, que para sempre será um mistério.

terça-feira, 8 de abril de 2008

Água

O ser humano parece sempre se cansar de tudo. Se cansa da rotina que leva, do trabalho que realiza, às vezes até mesmo das pessoas com quem convive todos os dias. Reclama da falta de emoções, de aventura, de novidades. Parece enjoar de tudo e sentir a necessidade de ver aflorar todas as suas paixões, como se desejasse que estas se materializassem na sua frente, em busca de qualquer coisa maior.

Inicia, pois, um esquecimento de tudo que antes lhe era de imenso valor, a procura de novas sensações. Não as encontrando, entra em depressão e profunda melancolia, dizendo não haver mais sentido em sua vida. Quando, entretanto, tem seu intento realizado, e perde de alguma forma tudo aquilo que dizia lhe entediar, entra em profundo arrependimento. E chora, e grita, e esperneia, como uma criança, desejando novamente o que outrora lhe pertencia. Descobre que as aventuras a que se entregou não são o que precisava. Alega tal incoerência dizendo antes não enxergar o quão feliz era. Só agora consegue ver a felicidade que tinha em mãos, mas que deixou esvair-se por entre os dedos.

Quão cegos somos nós, seres humanos, que precisamos perder o que temos para darmos a devida importância. Porque só conseguimos enxergar o que se faz extremamente brilhante, brilho este provindo, entretanto, de falsas lantejoulas. O que sempre estava lá, que era, na verdade, o que nos movia a continuar, não percebíamos como essencial. Como a água, que todos os dias bebemos, nos mantém vivos, nos é essencial e, todavia, insistimos em dizer que é insípida, incolor e inodora, sem nunca pensar que sem ela jamais existiríamos. Estamos sempre procurando algo mais que simplesmente a vida, em vez de reconhecê-la a todo momento em cada manhã, em cada ação e em cada pessoa. Mas não, precisamos de emoções repentinas e avassaladoras para nos incendiar e nos dar a certeza de que estamos ali. Somos tão extremamente limitados, que não enxergamos a felicidade no mais despercebido detalhe. Quando perdermos este, será a mais grandiosa saudade. Resta-nos descobrir qual esse detalhe, que mantém nossa chama discretamente acesa, entretanto com a intensidade necessária para se perpetuar até nossa morte. Ações, momentos, pessoas...? Próprio de cada um desvendar...

terça-feira, 1 de abril de 2008

Compra cd ou não comprar? Eis a questão!

Estava eu nas Lojas Americanas, com dois amigos, olhando descontraidamente os CDs, quando me deparo com a capa ao lado. "Back to Black", por Amy Winehouse. E o preço: R$14,99. Quase não acreditei! Há muito desejava o álbum desta tão talentosa cantora, mas nem havia cogitado a possibilidade de comprá-lo. Imaginava-o num preço demasiado alto para a minha condição atual de "estudante ainda dependente dos pais".

No entanto, lá estava nas prateleiras uma versão promocional do disco, em que a capa é de papelão e não vem acompanhado pelo típico encarte do cd. Todavia, todo o resto era igual: mesmas músicas, mesma foto, tão original quanto o outro. Não seriam detalhes irrelevantes que me fariam pagar doze reais a mais na versão não-promocional.

Enquanto permanecia com o CD em mãos, desenvolvia tais pensamentos, quando Pedro falou algo como:

--Não compre esse CD! Ela já está rica demais. Posso baixar todas as músicas para você.

Eu tinha que admitir esse fato: estaria dando mais dinheiro para alguém já tão rico, que por sinal adora gastar suas finanças em todo tipo de droga. Para que gastar minhas limitadas economias em algo que poderia ter facilmente acesso de graça?

Neste momento, lembrei do meu pai, mestre em comprar discos em promoção (e com um ótimo acervo de CDs, diga-se de passagem). Lembrei, pois, o quanto me satisfazia, ao chegar em sua casa, ter aquela enorme opções de CDs para ouvir, capas e encartes para olhar, relembrando discos que marcaram minha infância... Nossa geração, ao contrário da dos meus pais, quase despreza os discos compactos. É considerado por muitos como algo ultrapassado. A moda agora é baixar todas as músicas e passar para o mp3, mp4, mp5, seja qual mp for, tapando seus ouvidos para o resto do mundo. Alguns ainda passam as tão amadas músicas para um cd virgem (de validade mais curta que o cd original); outros preferem deixá-las no computador. Não me imagino colocando um filho meu (que porventura eu venha a ter, num futuro distante) para dormir ouvindo músicas vindas de um computador. Mesmo se eu me utilizar da tática de grave-las em CDs virgens (para escutá-las melhor no aparelho de som), meus filhos, quando maiores, não se divertirão vendo as capas e encartes de álbuns antigos, tal qual hoje me encanto vendo as dos vinis.

Nada contra baixar músicas. Eu mesma de vez em quando faço isso e amo essa facilidade. É maravilhoso ter disponíveis músicas de graça! Ainda sim, sou amante dos CDs. A ansiedade em chegar em casa, após a compra de um novo álbum, para colocá-lo no som, deitar no sofá, e tranqüilamente ouvir suas músicas... Isso vale tudo!

Por isso, acabei rejeitando a proposta de Pedro e decidi levar para casa o novo disco de Amy Winehouse. E foi com prazer que desfrutei de todas as suas músicas antes de dormir! Deixa para a próxima as músicas baixadas. ;p