quarta-feira, 25 de junho de 2008

"Conseqüências da vida moderna"


Dia desses estava praticando velho vício que tenho, irritante por sinal, mas do qual ainda não consegui me livrar: cutucar meus dedos com alicate. Eu sei, é estranho, mas essa atividade me dá algum prazer, não me pergunte por quê. O fato é que, nessa brincadeira, arranquei também a parte de cima dos meus dedos. Calma, não se assustem! Quem toca instrumento de corda conhece aqueles velhos calos que ficam nas pontas dos dedos por conta do vício de tocar. Arrancando concentradamente meus calos de tocar violão (ou violino, nem sei mais a causa dos calos), fiquei a pensar se meus dedos não sofreriam quando voltasse a pegar no instrumento. Isso mesmo, “voltasse”, porque já passava certo tempo desde que eu não me deleitava com as notas dos meus amados instrumentos. Não faria então diferença arrancar a “proteção” dos meus dedos...

Causou-me certa tristeza perceber a desatenção que estou dando a algo de valor tão importante e simbólico. Quase todo meu tempo agora é ocupado com estudos. “Ó, que maravilha” alguém poderia dizer. Mas não, não há nada de extraordinário nisso, senão que se apresenta como situação um tanto vazia de sentido. Para que, afinal, tantas horas “presa” ao colégio, instituição que se diz fundamentada em estudos pedagógicos, mas na qual eu só tenho encontrado convenções puramente mercadológicas e fortemente ligadas às exigências capitalistas vigentes?

Talvez eu esteja sendo um tanto cruel com um colégio que tenta se diferenciar um pouco mais das várias empresas renomadas da cidade. Talvez o problema seja mais eu, que por vezes me sinto incomodada por estar abdicando de tanta coisa e dando tanto do meu tempo e meu esforço para a famosa prova do fim do ano: vestibular.
Certo, não apelemos ao exagero e a dramatização extrema. Estudo, mas nem tanto assim, e sei muito bem os objetivos que me levam a despender tanto do meu dia na escola: num futuro próximo, estar cursando uma faculdade e ver-me livre das regras que tanto odeio nos colégios (e volto a ser cruel). O fato é que minha inconformação não se limita à realidade que estou passando no momento, e que muitos outros também estão vivendo. Minha inconformação parte justamente desse fato, o tipo de vida que TODOS nós estamos levando agora. Chego vários dias da semana extremamente cansada, com vontade apenas de dormir; passo horas do dia estudando assuntos que, provavelmente, depois da tão temida prova, não me servirão para nada; deixo de fazer coisas tão importantes, como tocar violino ou escrever para o blog, para estar estudando aqueles conteúdos. E não sou só eu. Quantas e quantas pessoas passam horas e horas trabalhando na ilusão de que fazem isso para serem felizes. E que felicidade, que prazer estão encontrando afinal? Têm essas pessoas tempo para usufruir de todo o dinheiro que ganham, se passam o dia a estressar-se com assuntos tão arraigados ao sistema vigente?
Não estou aqui a dizer que sou uma menina que estuda tanto que se possa comparar com alguém que passa o dia no escritório, não me entendam errado. O que estou dizendo é que, desde esses meus dezessete anos, parece que toda uma sociedade já está me preparando para fazer isso. Estudo em tempo integral; disseram-me uma vez que isso era bom, porque assim vou me acostumando a vida que irei levar quando entrar para o mercado de trabalho. Dezessete anos e já me estresso, fico irritada com os outros, até adoeço facilmente pela pressão que eu mesma exerço sobre mim. Porque, na verdade, a primeira a me cobrar a me dedicar integralmente a esses estudos sou eu, afirmando que isso me levará a um prazer futuro. Isso não é, de todo, mentira. Mas será que esse ano minha vida se resumirá somente ao vestibular? E todos os outros conhecimentos, que o colégio faz questão de não oferecer, onde eu os adquirirei? Esses conhecimentos que só vêm com a vivência coletiva, junto à sociedade?
Falando um dia para o meu professor de violino que estava tão “atolada” aos estudos que nem tempo para treinar eu tinha, ele me disse “Conseqüências da vida moderna”. Que vida moderna maravilhosa todos nós estamos passando! Eternamente estudando, trabalhando, e às vezes nem sabendo ao certo o porquê. Uns são escravos de empresas, dando lucros exorbitantes para outros enquanto são explorados. Outros estudam para um dia fazerem isso, explorarem ou serem explorados.
Sim, me perdi em devaneios. O fato é que arrancar os calos de meus dedos não prejudicou o ato de tocar. Eles já são resistentes e não sofrem mais com tal deleite. E descobri isso porque, enfim, voltei a tocar. Agora o que me impede de treinar mais é uma certa indisciplina, assunto para outro texto talvez, mas não mais a culpa de achar que eu deveria estar estudando química em vez de estar escutando música. Nessas férias, reservarei também para mim certo ócio (estou criando coragem para isso!), que seja totalmente livre de qualquer culpa, esta implantada pela agitação que acho ser obrigada a ter todos os dias.
A verdade é que não me incomodo em estudar. É algo que gosto de fazer (dependendo das matérias em questão) e que sei que me proporcionará uma realização maior. Só não quero que esse estudo seja realizado de forma a reafirmar uma idéia já tão arraigada nos indivíduos frutos dessa sociedade moderna: que precisamos dedicar toda nossa vida às exigências do capitalismo. O estudo real vai muito além dos assuntos que estou vendo agora. Espero encontrar brechas nesse sistema que me permitam descobrir outras formas de me realizar.